quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

História da farmácia no Brasil: parte II


Medicamentos industrializados no Brasil: origem e evolução

Laboratório farmacêutico do Rio de Janeiro no início do Século XX.
         No final do século XIX começaram a surgir os primeiros laboratórios farmacêuticos nacionais. Em 1913, o Brasil contava com 765 estabelecimentos produtores de medicamentos. Ao findar-se a 1ª Guerra Mundial, em 1918, esse número já era de 1.181 estabelecimentos, chegando a 1.329 em 1930. Essa expansão deveu-se a dois fatores. Um deles foi a escassez de produtos farmacêuticos, determinada pelo início da 1ª Grande Guerra, que acabou potencializando a produção nacional. O outro fator foi a existência de um grande contingente de técnicos, formados em instituições públicas, interessados em organizar novos laboratórios privados de produção de medicamentos.
         Criados em 1900 para combater um surto de peste bubônica que surgiu no porto de Santos e ameaçava alcançar as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, os Institutos Butantan e Oswaldo Cruz iniciaram sua trajetória de forma modesta, reunindo alguns técnicos dedicados aos exames de laboratório, à produção de soro e vacinas e às pesquisas biomédicas.


Instituto Oswaldo Cruz.
           Muitos técnicos dessas instituições iriam se transformar nos principais protagonistas da criação de novos laboratórios farmacêuticos na primeira metade do século XX, sendo que os pesquisadores oriundos das instituições paulistas seriam os mais bem-sucedidos na criação de grandes laboratórios produtores de medicamentos.
Após a Segunda Guerra Mundial, os laboratórios nacionais começaram a entrara em crise. Para se ter uma idéia da magnitude desse processo, podemos observar que em 1957, entre os 20 maiores laboratórios farmacêuticos existentes no Brasil, 5 eram nacionais ou associados a capitais nacionais: Pinheiros, Moura Brasil, Torres, Fontoura e Lafi. Cinco anos mais tarde, após a compra do Instituto Pinheiros pela Sintex, nenhum laboratório nacional constava dessa lista.

Farmácia e práticas farmacêuticas

            A partir de 1930, a expansão dos laboratórios farmacêuticos nacionais e estrangeiros e a conseqüente ampliação da utilização de suas especialidades geraram uma verdadeira revolução na organização da farmácia e da prática dos farmacêuticos.
            Se até os anos 1920 a utilização de medicamentos prontos ainda era pequena, nos anos de 1930 passa por forte incremento, fazendo com que a procura por produtos elaborados pelos farmacêuticos em seus estabelecimentos se reduzisse fortemente.
            No campo específico do consumo de medicamentos, esse processo se relacionou à revolução terapêutica iniciada em 1935 com a fabricação em escala mundial da sulfanilamida pela Bayer, sendo posta em marcha com o desenvolvimento dos antibióticos na década seguinte.
            No Brasil, a presença das multinacionais dos medicamentos se inicia no final do século XIX, e se intensifica bastante na década de 30. Nesse período, 07 grandes laboratórios farmacêuticos europeus se instalaram no país: Bayer (1890), Rhodia (1919), Laboratório Beecham (1922), Merck (1923), Andromaco (1928), Roche (1931), Glaxo (1936) e Ciba (1937). Além destes, vieram os norte-americanos: Sidney Ross (1920), Johnson & Johnson (1936) e Abbot (1937).
            Os médicos foram os principais agentes responsáveis pela ampliação do consumo de produtos farmacêuticos, receitando, cada vez mais, medicamentos prontos, em substituição aos elaborados nas farmácias.


Campanha da Bayer após o carnaval de 1925

            A ação dos médicos em favor dos novos produtos também era fruto de uma nova forma de propaganda que invadia o mercado dos medicamentos. Até então, a propaganda de medicamentos era feita de forma ampla, tendo como alvo os consumidores. Nesse período, os laboratórios estrangeiros passaram a por em prática uma propaganda exclusivamente voltada para os médicos. Esses deveriam ser os novos mediadores do consumo, indicando aos seus pacientes medicamentos de fabricantes específicos. Amostras grátis, bônus, brindes e forte atuação de representantes comerciais eram as principais armas para atrair os interesses dos médicos. Além disso, os medicamentos desses laboratórios passaram a conter uma novidade: a bula.

Formação do farmacêutico

            A partir da década de 1930, o ensino de farmácia no Brasil passaria por várias mudanças curriculares, relacionadas principalmente às transformações da prática farmacêutica. Pretendia-se aproximar a formação profissional das novas atividades industriais e de serviços no campo da produção de medicamentos e alimentos e na área dos exames laboratoriais. 
Com esse objetivo, em 1962, o Conselho Federal de Educação criou um currículo mínimo para os cursos de farmácia. Com a reforma universitária de 62, esse currículo passou por ligeiras mudanças, mas manteve sua característica essencial: a formação diferenciada. Pela nova legislação, o currículo mínimo para a formação de farmacêuticos compreendia um ciclo pré-profissional formativo: um ciclo básico comum, para a formação de todos os farmacêuticos, e um ciclo diversificado, voltado para a formação de farmacêutico industrial ou de farmacêutico bioquímico.
            Com algumas alterações, essa estrutura permanece até hoje em vigor. Ela tem por objetivo assegurar ao farmacêutico e ao farmacêutico bioquímico condições de exercer atividades em laboratórios de saúde pública, de manipulação magistral farmacêutica (farmácias, hospitais, drogarias), empresas industriais farmacêuticas, indústrias alimentícias, ervanários etc.

Das farmácias às Drugstores

            Tudo isso colocava em xeque o papel das farmácias e dos farmacêuticos. No âmbito da nova terapêutica, era impossível disputar com os modernos laboratórios a liderança na fabricação dos medicamentos. As farmácias não poderiam contar com instalações, instrumentos e pessoas qualificadas suficientes para produzir especialidades cada vez mais receitadas pelos médicos. Além disso, sofriam uma forte concorrência das drogarias que compravam produtos por atacado dos laboratórios e os revendiam por preços mais elevados para as farmácias o grande público.


Em 1935 ocorre a fusão das Drogarias Bráulio e Brasil, fundando a Rede Drogasil.


            Para alguns farmacêuticos, boa parte dos problemas se devia ao fato de pessoas sem a formação universitária em farmácia poderem ser proprietários, ou estar à frente, de estabelecimentos farmacêuticos. Outros acreditavam que as dificuldades se relacionavam ao excesso de farmácias existentes nas grandes cidades e à desunião dos profissionais farmacêuticos, que não se entendiam com relação a quais estratégias deveriam ser utilizadas para valorizar a profissão.

TEXTO EXTRAÍDO DE: EDLER, FLÁVIO COELHO. BOTICAS & PHARMACIAS – UMA HISTÓRIA ILUSTRADA DA FARMÁCIA NO BRASIL. RIO DE JANEIRO: CASA DA PALAVRA, 2006.

Um comentário:

  1. Muito boa postagem. Parabens. Muito se lê sobre as etapas e ajustes na Graduação em Farmácia, a historiografia da coisa, mas muito pouco se aborda pelo viés da historicidade, isto que aqui vemos, de correlacionar a evolução do Curso com a evolução do mercado. Boa!!!

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